sábado, 26 de fevereiro de 2011

I Want to Play a Game

Recentemente, ouvi de meu amigo Guido Imaguire uma analogia que achei fantástica. Minha memória não me permite reproduzi-la aqui com as mesmas palavras que foram usadas na ocasião em que a ouvi, mas creio que posso reformulá-la sem distorção do essencial. A analogia envolve futebol. Há muitos fãs de futebol. Os tipos são variados, mas aqui é interessante pôr em evidência dois deles: o praticante e o espectador. Não é preciso dizer muito sobre esses tipos. O praticante pratica futebol e o espectador assiste e admira o que os praticantes fazem. Alguns espectadores gostam tanto de assistir futebol que assistem não só os jogos ao vivo, mas também têm um enorme prazer em rever jogos e jogadas. Frequentemente o espectador tem também uma admiração especial por um ou mais jogadores e se orgulha de chamá-los de “ídolos”. Ele adora rever os lances desses ídolos, comentá-los, exaltá-los e brigar com quem não lhes faz a devida reverência. O que é decepcionante é que, apesar de tanta paixão pelo futebol, a maioria dos espectadores não o pratica. Enquanto o praticante sua a camisa, o espectador fica de fora, seja no estádio ou em frente a uma televisão, torcendo e engordando.
Bem, essa é a imagem, e, como vocês já devem estar percebendo, ela serve para dizer algo sobre os filósofos. Na filosofia, também há praticantes e espectadores. Estes, em geral, se contentam em apreciar e comentar os lances geniais dos filósofos do passado, aqueles querem realmente jogar no campo da reflexão filosófica. Eu, por exemplo, sou um dos que querem participar do jogo (é o que os analíticos, em geral, querem). Isso não me impede de curtir e aprender com os jogos que outros filósofos jogaram. De fato, quando jogo, uso vários truques que aprendi vendo esses jogos famosos (nada fora do fair play, naturalmente). A filosofia é um jogo que exige muita habilidade, você tem que estar bem preparado para furar a defesa dos adversários mais fortes. Em todo caso, o que me dá mais prazer mesmo é jogar. É algo que todo estudante de filosofia deveria experimentar. Acho lamentável que muitos dos professores de filosofia no Brasil sejam exclusivamente espectadores, mas pior do que isso é o fato de muitos deles dizerem para seus alunos que eles também têm que se contentar em assistir o jogo, e que, se um dia vierem a jogar, isso só acontecerá depois de permanecerem na plateia por décadas. Isso é um absurdo na filosofia tanto quanto no futebol. Jogar se aprende jogando. É preciso começar desde cedo, levar pancada, exercitar o raciocínio, dominar a emoção, fazer jogadas ridículas, aprender com os erros etc. Tudo isso é aprendizado, tudo isso é útil para a formação de um filósofo. Ninguém se torna um filósofo ficando na arquibancada. A filosofia exige movimento de ideias, confronto de opiniões, defesa de teses, ataque de posições. Só é filósofo quem se envolve na contenda. É verdade que nem todos vão jogar no nível de um Descartes ou de um Frege, mas sempre é possível tomar gosto pelo jogo e se divertir. Não vejo nenhuma razão para privar os estudantes desse prazer. Pelo contrário, é preciso mostrar que é no campo, na hora do jogo, que a emoção é maior. Um bom modo de começar isso é dando aos alunos espaço para criarem suas teorias e fazerem suas críticas. Isso, na filosofia, equivale a fazer as primeiras jogadas. Muito provavelmente essas primeiras jogadas serão bem ingênuas, mas, com boa orientação e bons exemplos, ficarão cada vez mais refinadas e, daí a algum tempo, veremos alguém que joga o jogo da filosofia já com boa desenvoltura. No final, por uma razão ou outra, pode ser que alguém ainda prefira ficar fora do jogo e se tornar um comentarista. Não há nenhum problema nisso, há lugar para todo mundo. Pessoalmente, porém, o que me interessa mais é ser um praticante. Embora veja que há muito proveito em rever os embates filosóficos clássicos, acho que nada se compara à emoção de fazer um gol pela filosofia, quero dizer, resolver uma questão, refutar uma posição consagrada ou algo do tipo. É isso que quero ao fazer filosofia. Se você quer o mesmo, tem que começar a jogar.

5 comentários:

  1. Este comentário foi removido pelo autor.

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  2. O autor foi muito feliz ao sugerir que devemos ter cuidado para não nos tornar meros comentadores de textos filosóficos, mas filósofos. Aprender a pensar e a criar nossas próprias ideias e teorias e não apenas replicar a de outros, resolver questões, não aceitar "enlatados". Necessidade se expor às críticas e vê-las como construção. Errar faz parte do jogo, tal como acertar. Só não se pode ter medo. Somos capazes. Nirya - I semestre

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  3. Pensar filosoficamente requer forte vontade, uma mente aberta, livre e disposta a pagar os preços inerentes desta arte Neste sentido, este ensaio nos leva a reflexão sobre filosofia e a consciência de ir além das ideias já estabelecidas, assumindo os riscos de trilhar o próprio caminho. Vale a pena pensar! Souza - I semestre

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  4. Deixo aqui meu agradecimento, pois essa leitura merece um agradecimento. Inspirou-me bastante essa 'imagem', e certamente a guardarei.

    Marcos P. S. Caetano - Filosofia UFC.

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